Por Bianca Oliveira*
O sucesso de um produto ou serviço, seja ele digital ou não, está totalmente relacionado a sua utilidade na vida das pessoas, ou seja, se ele resolve algum problema, elimina alguma dor ou facilita as atividades dos seus usuários de alguma forma. E não só isso, esse produto ou serviço também precisa ser atraente para os usuários, fácil de usar e principalmente viável para o negócio.
O Product Discovery é uma peça fundamental do processo para criar um produto que atenda a todos esses requisitos.
O Product Discovery
Product Discovery: o reativo e o contínuo
Processo de Product Discovery
1. Alinhamento e definição de objetivos
2. Planejamento da Pesquisa
3. Pesquisa
4. Declaração de problema
Entregáveis do Discovery
O que fazer com o resultado do Discovery?
Discovery: um tempo bem gasto!
Sobre a autora
O Product Discovery
O Product Discovery ou a descoberta de produto é um processo com atividades que antecedem a construção de um produto ou funcionalidade, sendo essas mais abrangentes e exploratórias, que tem como objetivo entender profundamente todos os pontos envolvidos em um projeto através de análise de dados já existentes, dados do mercado e dados coletados através do contato com os usuários.
O diagrama do duplo diamante – muito utilizado no processo de UX Design e apresentado pelo Conselho de Design do Reino Unido – ilustra o processo de Product Discovery. É um processo que inicia de forma ampla com foco em compreender o máximo possível sobre um problema e entender seu contexto em profundidade (DISCOVER) para que a partir dessas informações e evidências coletadas, o time possa discutir e definir qual ou quais problemas serão priorizados (DEFINE). É importante ressaltar que, por se tratar de um processo exploratório, ele não abrange as etapas de ideação, prototipação e testes, porém é fundamental a sua execução para que posteriormente essas etapas sejam um sucesso.
Um processo de Product Discovery eficaz entrega valor através de:
- Entendimento dos usuários: quem são, que problemas enfrentam, porque os enfrentam e como lidam com eles com os recursos disponíveis
- Entendimento do mercado: quem são os concorrentes, como atuam, porque atuam de determinada forma e quais são as oportunidades
- Entendimento dos riscos: quais são eles e como podem ser mitigados
Com essas descobertas o processo de tomada de decisões torna-se menos arriscado, pois todos passam a ter uma ampla visibilidade sobre o cenário e o contexto em que o produto se encontra, assim como quais são as necessidades dos usuários e os riscos de implementação de uma possível solução. Isso faz com que o time seja capaz de definir quais são os problemas prioritários de forma mais assertiva e segura, baseando suas decisões em evidências e não apenas em achismos, otimizando o investimento de tempo e de dinheiro para construir a solução.
De acordo com a NNg, o processo de Product Discovery é aplicável sempre que o time tiver dúvidas sobre um determinado tema, dúvidas essas que se não sanadas, podem trazer alguns riscos para o negócio ao desenvolver uma solução para um problema que não existe ou é irrelevante.
Product Discovery: o reativo e o contínuo
Existem dois principais caminhos que estimulam a aplicação de um processo de Product Discovery: o reativo e o contínuo.
O Product Discovery reativo é realizado sob demanda, normalmente vindo das áreas de negócio. Ou seja, quando alguma área identifica algum problema que necessita de um estudo mais aprofundado a fim de um melhor entendimento das suas causas e impactos. Já o Discovery contínuo é quando as descobertas acontecem de forma espontânea, buscando estudar constantemente sobre todas as áreas que são impactadas pelo produto com o objetivo de buscar oportunidades de mercado, estudando os concorrentes e os usuários. Neste ponto, atuar em conjunto com outros times é essencial para coletar dados importantes sobre a situação em que o produto se encontra e planejar pesquisas que trazem insights valiosos para auxiliar na melhoria contínua do projeto.
Segundo Marty Cagan, uma das maiores referências em gestão de produtos digitais da atualidade, existem 4 principais riscos que podem ser mitigados durante a etapa de Product Discovery e que dependem de uma atuação em conjunto da equipe envolvida no projeto:
- Risco de valor: Entendendo se a solução atende as necessidades dos usuários
- Risco de usabilidade: Entendendo se os usuários têm facilidade para utilizar o produto
- Risco de viabilidade técnica: Após a priorização do problema, avaliando quais são os recursos disponíveis, o tempo para desenvolvimento da solução, e o conhecimento técnico da equipe.
- Risco de viabilidade do negócio: Entendendo se a solução também funciona para os outros aspectos do negócio, qual o retorno e se é viável juridicamente.
Processo de Product Discovery
Existem várias técnicas, métodos e ferramentas que podem ser aplicados no processo de descoberta – a escolha vai depender do tipo de problema que o time precisa investigar. Porém, existem alguns passos básicos que quando seguidos, auxiliam a conduzir um processo de Product Discovery eficaz:
1. Alinhamento e definição de objetivos
Esse é o primeiro e mais importante passo para um Product Discovery de qualidade. É onde o problema levantado é explorado ao máximo através de uma imersão de todos da equipe na estratégia do negócio e nos dados pré existentes sobre o tema.
O alinhamento dessas informações pode ser feito ao realizar o briefing ou kickoff com todos os envolvidos, onde é possível entender quais são as principais certezas, suposições e dúvidas sobre o tema (matriz CSD) e solicitar dados que serão relevantes para o planejamento da pesquisa, caso necessário, como por exemplo: a taxa de abandono em um determinado momento durante o uso de um aplicativo, o número de acessos nos últimos meses ou a frequência de utilização de uma determinada funcionalidade.
Além disso, no momento de definir os objetivos é importante considerar quais são as principais métricas envolvidas e suas metas, para que durante a análise dos dados essas informações sejam cruzadas e possam se alinhar buscando os melhores insights para as soluções na etapa de ideação.
2. Planejamento da Pesquisa
Com base nos objetivos definidos e nos dados avaliados anteriormente, é possível definir o que precisa ser descoberto, quem é o público alvo, que tipo de pesquisa faz mais sentido e qual a metodologia que trará os melhores resultados.
Ao planejar a pesquisa é importante considerar os seguintes pontos:
- Contextualização do problema
- Objetivo do Discovery
- Suposições e Dúvidas levantadas e que precisam ser sanadas
- Tipos de pesquisa que serão realizadas: Qualitativas ou Quantitativas
- Metodologias que serão utilizadas
- Público alvo e amostra
- Prazo estimado para entrega
É importante que o planejamento da pesquisa seja documentado e alinhado entre todos da equipe, pois o objetivo dele é trazer visibilidade – de maneira simples e objetiva – de como acontecerá todo o processo de pesquisa. Ao documentar esse processo, além de alinhar as expectativas entre todos os envolvidos, facilita o compartilhamento de informações com pessoas que não estão envolvidas e que podem de alguma forma, contribuir com o projeto futuramente, sem demandar grandes esforços para explicar o porquê e em que momento algumas decisões foram tomadas.
3. Pesquisa
Agora é o momento de executar o planejamento alinhado anteriormente. É importante lembrar aqui que no Product Discovery a pesquisa não é utilizada para testar hipóteses ou soluções, e sim para gerar aprendizados e mapear oportunidades, ou seja, a pesquisa é realizada em um contexto amplo e exploratório, portanto é preciso estar aberto e desapegar de algumas possíveis ideias de solução nesta etapa.
Existem muitos métodos de pesquisa que podem auxiliar nas descobertas, a escolha vai depender do tipo de problema que o time está buscando entender, quais são as principais suposições e dúvidas e qual é o público que será atingido, sempre considerando as necessidades e objetivos definidos anteriormente. É possível também combinar resultados de pesquisa qualitativa e quantitativa, assim como combinar mais de um método, caso necessário, para extrair o máximo de informações relevantes para o projeto. Alguns métodos que auxiliam nesta fase de exploratória são:
Desk Research – Também conhecida como “pesquisa secundária”, busca entender com base em informações já disponíveis no mercado, qual a situação atual do problema levantado. Pode utilizar tanto dados de fonte interna como externa.
Benchmarking – Seu principal objetivo é entender quem são seus concorrentes, como eles se comportam e porque se comportam de determinada forma, a fim de identificar oportunidades valiosas para o projeto.
Entrevista em profundidade – Busca entender as dores e dificuldades dos usuários através de uma conversa com perguntas mais aprofundadas e abertas, sem respostas pré-definidas. Essa metodologia é bastante utilizada quando há uma necessidade de entender comportamentos, motivações e percepções dos usuários quanto a um determinado tema. Esse tipo de método pode também ser aplicado internamente, para compreender melhor os pontos de vista e dores de todas as áreas que serão afetadas com a solução e partes interessadas, como por exemplo: stakeholders, RH, jurídico etc.
Shadowing – Possibilita observar o comportamento dos usuários de maneira orgânica, em seu ambiente natural e sem a influência de um moderador. Coleta insights comportamentais independente das opiniões dos usuários, evitando possíveis vieses.
Questionários – São rápidos e práticos e trazem dados quantitativos sobre um determinado tema. Normalmente, são utilizados como complemento de outra metodologia de pesquisa.
Workshops – Podem ser realizados tanto com a equipe como com os usuários – Alinham a equipe e as partes interessadas e são muito úteis para definir objetivos e quais os pontos mais importantes a serem estudados. Pode ser utilizado para definir as certezas, suposições e dúvidas (Matriz CSD), para priorizar, caso necessário, as dúvidas mais latentes e para levantar as principais hipóteses sobre o problema. Após a fase de Discovery, também podem ser realizados workshops com o time para priorizar os problemas encontrados. Os workshops de cocriação podem ser feitos com a equipe ou com os usuários, e funcionam como estímulo para a criatividade e colaboração na fase de ideação, gerando ideias inovadoras com base em experiências anteriores dos participantes e opiniões individuais e conjuntas.
Diários de uso – Fornece dados sobre hábitos, rotina e comportamento dos usuários através do mapeamento das suas experiências nas atividades registradas diariamente. Coleta informações contextuais das necessidades e dores dos usuários em tempo real.
Grupo Focal – Coleta opiniões e atitudes dos usuários sobre um tema específico, mapeando o comportamento individual e em grupo durante as dinâmicas. Também pode ser utilizado para validar premissas levantadas em outras pesquisas, apesar de levar em consideração o viés do pensamento em grupo.
4. Declaração de problema
Esse é o momento de reunir o time novamente e apresentar quais foram os principais insights das pesquisas.
De acordo com a NNG, a definição de problema ou declaração de problema é “uma descrição concisa do problema que precisa ser resolvido”, ou seja, deixa claro o que deve ser priorizado e o que estará fora do escopo.
Essa clareza de informações ajuda o time a identificar e priorizar quais são os problemas mais urgentes considerando os objetivos iniciais, as evidências descobertas durante as pesquisas e os riscos que cada uma pode trazer. Para auxiliar nesta etapa, pode ser utilizada a Matriz de Priorização ou a Matriz de Impacto x Esforço.
Entregáveis do Discovery
O principal objetivo do Discovery é fornecer insumos para auxiliar a equipe a definir soluções coerentes e de maneira assertiva para os problemas encontrados, assim como apresentar evidências para embasar a tomada de decisões nas próximas etapas.
Essas entregas podem ser compartilhadas com o time durante os ritos semanais ou nos workshops agendados, porém é importante que ao final de cada etapa do Discovery os resultados e decisões também sejam documentados e disponibilizados ao time para consultar sempre que necessário. O conhecimento compartilhado, do início ao fim de um projeto agiliza o processo de pesquisa durante toda a vida de um produto.
O que fazer com o resultado do Discovery?
Todas as informações coletadas durante o Discovery serão utilizadas como base para orientar as decisões das próximas etapas: Ideação, prototipação e testes:
Ideação – Fase onde o time propõe ideias para solucionar os problemas encontrados no Discovery e define como essas ideias serão construídas e disponibilizadas aos usuários. O brainstorming é uma técnica de compartilhamento de ideias muito útil nesta fase, pois levanta hipóteses de solução para os problemas encontrados na pesquisa. Alguns workshops de cocriação como a Lean Inception por exemplo, também orientam o time e os envolvidos a definirem o que será construído no MVP.
Prototipação e testes – Nesta fase, as ideias de solução levantadas na ideação “saem do papel”, é o momento onde são construídas versões em baixa e alta fidelidade para testar e avaliar se estão fazendo sentido e se os usuários conseguem usar com facilidade. O objetivo é validar a usabilidade e verificar se a solução proposta elimina as dores mencionadas por eles na etapa de pesquisa.
Segundo Marty Cagan, o grande erro de muitas empresas é se acomodar após atingir um certo nível de sucesso, realizando apenas processos de validação para acrescentar valor ao produto, como testes de usabilidade ou A/B por exemplo. Porém, a aplicação de um processo de Product Discovery contínuo traz além da estabilidade, a inovação e segurança para os produtos fazendo com que ele se destaque entre os concorrentes através do mapeamento de melhorias, coletando feedback dos usuários após o lançamento, avaliando seu comportamento durante a utilização e realizando estudos de mercado.
O processo de Discovery contínuo deve fazer parte dos ritos semanais do time, propiciando troca de insights entre os participantes e comunicando os resultados importantes obtidos.
Discovery: um tempo bem gasto!
Algumas empresas ainda acreditam que o tempo gasto com o Discovery atrasa a entrega da solução para seus usuários mais do que beneficia o negócio. Ao tomar a decisão de pular etapas do Product Discovery é preciso ter em mente que que a equipe estará assumindo riscos desconhecidos que podem trazer grandes prejuízos ao projeto. É preciso lidar com esse tipo de situação e entender que em alguns casos será necessário ponderar, avaliar se vale a pena assumir alguns riscos e priorizar conforme a necessidade e urgência para o time.
O Product Discovery é importante pois é nele que inicia o processo que dará origem às futuras funcionalidades e itens que farão parte do backlog do produto. Ele faz isso de uma forma segura, entendendo quais são as oportunidades de negócios que valem a pena ser desenvolvidas, reduzindo o retrabalho e otimizando o investimento de tempo e dinheiro para desenvolver uma solução.
Sobre a autora
Bianca Oliveira é Pós Graduada em Gestão de Projetos e em Design de Experiência do Usuário. Atua como UX Researcher planejando e aplicando pesquisas que direcionam as decisões de produto e negócio por meio de análise de dados, métricas e insights vindos dos usuários. Atua também em ResearchOps, buscando escalar os processos e aumentar o impacto da pesquisa de UX. Faz parte do grupo de voluntárias do Ladies That UX Florianópolis, reunindo, auxiliando e fortalecendo mulheres na carreira de UX.
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