Por que métricas de repente ficaram tão necessárias?

9 nov 2023 | Cultura Ágil

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Por Fábio Martinelli Duarte*

Nos últimos 20 anos, as empresas digitais viram a inserção e a rápida expansão da área de Produto, o que por sua vez trouxe a reboque a consolidação da área de Dados. Hoje em dia, temos cargos e times específicos só pra cuidar das plataformas que absorvem e disponibilizam as métricas de comportamentos dos usuários.

No entanto, se isso soa como um óbvio avanço, quando converso com áreas de Produto em diversas empresas tenho escutado quase sempre a mesma frustração: as tomadas de decisão, muitas vezes, não são baseadas em dados. Recentemente, fiz um teste no LinkedIn perguntando qual etapa do ciclo de Produto digital era a mais negligenciada e 58% dos respondentes afirmaram que era justamente a parte de medição dos resultados.

O que está acontecendo? A resposta pode ser encontrada na história do desenvolvimento de software.

A mudança de mindset

Lá no início, quando a tecnologia ainda estava sendo criada do zero, a grande pergunta a responder era “Tive uma ideia, será que dá pra fazer?” – a discussão sobre o que construir era baseada apenas na viabilidade e cabia ao time técnico a decisão final, muitas vezes, negociando uma solução diferente pra possibilitar a construção. Nessa época, a vitória era conseguir entregar o projeto, de preferência, dentro do prazo e orçamento previstos e, não raro, a produtividade e eficiência de uma equipe eram satisfatoriamente medidas por esses parâmetros. A ideia era que se estava havendo entregas conforme previsto, a empresa estaria no caminho correto. O mercado era conquistado por quem conseguia desenvolver mais tecnologia para viabilizar funcionalidades.

Já nos dias de hoje, a tecnologia não é mais um fator proibitivo. Avançamos muito em hardware e software, com infraestrutura, poder de computação e linguagens especializadas para desenvolver qualquer coisa que pudermos pensar. A pergunta não é mais “Será que dá pra fazer?”, porque a resposta é invariavelmente “Sim”. Nesse cenário, apenas botar funcionalidades no mercado não garante mais a conquista do consumidor.

A pergunta agora é “Dentre todas as ideias que tivemos, quais deveríamos fazer?”

Essa resposta agora pertence mais a Negócio que Tecnologia. Essa decisão agora passa por conhecer muito bem o consumidor, quais os seus problemas, o quão consciente desses problemas ele está, o que poderia solucioná-los e o quanto está disposto a pagar pela solução. Esse conhecimento permite desenhar boas soluções e priorizar o que tecnologia precisa desenvolver para a conquista do mercado.

Este raciocínio não é novo. Vimos nos anos 90 uma expansão das consultorias que faziam estudos sobre o público lá fora e traziam diagnósticos. Isso pode ser uma grande ajuda em determinados ambientes, mas deixou de ser a regra. Os relatos (e fui testemunha ocular de alguns) de projetos de consultorias que custam milhões, levam anos para implementar e, após a entrega, acabam não satisfazendo aos consumidores foram tornando-se comuns. Num primeiro momento, o diagnóstico era de projeto malfeito e, imediatamente, começava-se outro, com outra consultoria, tragando ainda mais custo e tempo, com o mesmo resultado. Se simples incompetência dos envolvidos não serve como explicação, por que então isso acontecia?

Apollo 11 e os tipos de conhecimento

Vamos voltar de novo no tempo. Um dos maiores feitos tecnológicos da humanidade é ter levado seres humanos à lua. O sistema de navegação da Apollo 11 levou 4 anos sendo programado, tendo 40.000 linhas de código. Como conseguimos fazer isso sendo que nunca havia sido feito antes? Como previmos os problemas a serem resolvidos? Dá pra dividir em duas partes:

Primeiro, como o número da Apollo já diz, houve 10 missões antes da que conseguiu pousar na lua. Cada uma dessas missões encontrou novos problemas e trouxe mais conhecimento para as equipes, que puderam então aperfeiçoar a tecnologia para poder solucioná-los. Ou seja, houve um sistema de construção de conhecimento empírico, com tentativa, erro, diagnóstico, aprendizado e repete-se o ciclo.

Segundo, mesmo que ninguém tivesse ido antes à lua, já existia conhecimento para modelar à perfeição soluções para os problemas principais, que eram como tirar um foguete da força gravitacional da terra, traçar uma rota até a lua e pousar na superfície dela. Esses problemas obedecem leis de forças gravitacionais e cálculo de órbita que já estavam plenamente modeladas pelo conhecimento de física. Esses modelos, por mais que hoje em dia ainda sejam melhorados por novas descobertas, eram suficientes para projetar foguetes e calcular rotas para quaisquer planetas ou luas. Esse tipo de conhecimento, que fornece modelos que podem ser generalizados para problemas desconhecidos, mas que obedecem às mesmas leis pode ser chamado de conhecimento científico. Ou seja, temos uma descrição matemática de um fenômeno e, a partir daí, quaisquer ocorrências desse fenômeno podem ser plenamente previstas e descritas.

E hoje, como fazer?

Um tipo de conhecimento permite previsão perfeita do futuro, o outro é um ciclo de aperfeiçoamento com os erros ocorridos no passado. É importante sabermos diferenciar essas duas formas de construir conhecimento e quando aplicar. O primeiro reflexo que tivemos ao construir tecnologia – algo intimamente relacionado às leis físicas da eletrônica e à matemática dos algoritmos – foi tentar tratar dessa construção como um conhecimento científico, com previsibilidade de resultados. Estritamente do ponto de vista de entregar funcionalidades, isso até pode ser assim, mas, conforme visto acima, não é mais isso que garante um bom resultado de uma empresa. Precisamos agora de conhecimento do cliente e suas necessidades. Agora, fica muito complicado solidificar isso em regras ou modelos previsíveis, porque do mesmo jeito que a tecnologia evolui e muda, o público lá fora também está em constante mutação.

Nos últimos 30 anos, surgiu a internet, telefones que são na verdade computadores manuais, as redes de 5G, a explosão do e-commerce, as mídias sociais… Novas dinâmicas sociais vão surgindo a cada ano e não há expert que possa afirmar com certeza quais serão as necessidades do mercado em 5 anos. É um exercício de futurologia divertido, mas dificilmente vai além disso. Decisões corporativas precisam de certezas maiores. O tipo de construção de conhecimento mais adequado para acompanhar fenômenos em constante mudança é o empírico.

Ninguém quer ouvir falar de “tentativa e erro”, essas duas palavras darão alergia em quaisquer stakeholders, mas o fato é que todas as grandes empresas digitais do Vale do Silício surgiram exatamente assim. Um Teste A/B, ferramenta com uma aura de sofisticação popularizada pelos gigantes digitais, nada mais é que uma forma de utilizar estatística para validar empiricamente uma hipótese. É pura tentativa e erro (ou acerto!) com o máximo de rigor matemático disponível.

Rechaçar o método mais adequado para entender seus clientes em prol de algo que soa melhor por parecer mais assertivo nunca vai funcionar. O que funciona é: Pesquisar as necessidades dos clientes, desenhar a melhor solução possível e, então – o passo crucial – medir se essa solução realmente atendeu à necessidade. Os clientes clicaram naquele botão que efetua a operação? Chegaram no fim do formulário? Mandaram um meio de pagamento válido? Fizeram uma boa avaliação? Compartilharam com os amigos trazendo mais tráfego? Tudo isso e várias outras perguntas podem ser respondidas implementando-se boas métricas e usando a leitura delas para diagnosticar a eficiência da solução.

Crescer sem garantir que está resolvendo o problema do seu público-alvo é impossível. Essa garantia não vem de algum expert, mas, sim, dos dados de como o usuário de comporta no seu produto que você pode obter sem muito esforço. Afinal, também para isso a tecnologia já evoluiu muito. Aproveite!

Fábio Martinelli Duarte começou como Product Manager no Canadá em 2007.
De lá pra cá, tocou produto em empresas B2B, B2C e B2B2C em 3 países.
No momento, é pai em tempo integral no Rio de Janeiro.

 

 

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