Segue o relato do Bruno Siqueira sobre a aplicação da Lean Inception em uma empresa pública. Muito obrigado por compartilhar este relato. Considero essencial para a comunidade saber e compartilhar as dores e os ganhos do nosso trabalho.
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Trabalho na área TI da Copel Distribuição, aqui em Curitiba e gostaria de fazer um relato de uso da Lean Inception numa empresa pública.
Vi sua palestra da inception enxuta com a prática Lean Inceptionem 2014, no Agile Brazil de Floripa e logo percebi que é uma prática muito interessante.
Li seu livro e fiz divulgação dela após o evento aqui e num workshop de análise de negócios que tivemos.
As pessoas ficaram interessadas e gostaram. Mas nada fizeram. Nem mesmo eu, que estava defendendo a ideia da inception enxuta, tinha feito algum experimento para comprovar a eficácia aos colegas.
Por um tempo fiquei pensando que, por mais interessante que fosse, era utopia imaginar fazer uma inception enxuta nesses moldes (uma semana de trabalho integral com todas as partes interessadas) numa empresa pública. Ainda mais utilizando práticas “novas demais” em grupo onde o principais materiais são post-it, flip-chart e caneta. Como os engenheiros, com muito tempo de casa, acostumados a muitas formalidades, reagiriam a esse tipo de atividade? Como convencer seus gerentes que seria importante contar com o tempo total dos empregados do negócio em uma semana inteira?
É muito comum voltar de um evento de Agile com a frase “Legal! Mas acho que aqui não funciona.”. A “cultura” da empresa não possibilitaria.
Foi então que num dia lembrei da palestra do Parzianello, também no Agile Brazil 2014, falando sobre a tal “cultura”. Lembrei dele perguntando à plateia “O que é a cultura?”, “Quem é ela?”, “Você a conhece? Já falou com ela?”.
Depois de um tete a tete com a cultura dentro de mim, decidi que na primeira oportunidade usaria a inception enxuta, tanto para ter minhas próprias experiências como para ter evidências aos meus colegas e superiores.
Nesse momento surgiu uma demanda de um usuário para alteração de um sistema. Uma nova “telinha”. Ao desconfiar que seria mais que isso, sugeri um estudo maior e um pouco mais detalhado. Como a minha relação com esse usuário é muito boa, a oportunidade foi perfeita para fazer uma lean inception.
Tivemos percalços. Logo de primeira percebemos que não conseguiríamos fazer num tempo fechado. Por mais argumentos que eu tivesse, uma parte da “cultura” da empresa indiretamente ainda diz que algo novo é autorizado se os ganhos estão comprovados. O fato de a demanda deles não estar no portfólio oficial de projetos ajudou a não termos justificativa para parar as pessoas por uma semana. Dessa forma, tivemos que aceitar a não disponibilidade de todos.
Levamos quase dois meses para fazer o trabalho, sempre em meios períodos e somente em dias em que todos estavam sem agenda. Isso obviamente gerou retrabalho, pois tínhamos que lembrar o que foi feito anteriormente para continuar.
Mesmo assim o resultado foi excelente: o que era uma telinha virou uma proposta de software que, com dois desenvolvedores, levaria cerca de 1 ano para ser feito. E esse software já teria aval das áreas que não eram as principais interessadas, pois todas as áreas que fossem interagir com a solução de qualquer maneira participaram da inception.
Sentindo-me realizado com o feedback do usuário, além de todo o ganho “subjetivo” que a técnica deu, pensei que no projeto seguinte seria fácil convencer as pessoas a fazer a inception enxuta.
Surgiu um projeto ao qual fui designado e logo sugeri para a liderança a ideia do workshop com toda essa empolgação. A inception foi recusada, principalmente pelo motivo de demorar uma semana inteira. Era natural pensar que era muito tempo, da mesma forma que ainda é natural pessoas não familiarizadas com práticas ágeis acharem que pair programming é desperdício de mão de obra. Sugeri ainda que as técnicas que já eram usadas poderiam ser feitas juntamente da Lean Inception. Mas não seria essa vez que a inception enxuta estrearia oficialmente por aqui.
O projeto começou e levamos cerca de 2 meses para entender o negócio e começar a desenvolver o primeiro requisito. Tivemos alguns problemas de escopo causados pela análise. Depois de algum trabalho e um pouco de stress com as áreas usuárias, identificamos uma porção grande de software que não deveríamos fazer. Conseguimos corrigir o escopo, mas não foi tão confortável. Isso não impediu o sucesso do projeto em seu fim. Porém, identifiquei que se tivéssemos feito o workshop, alguns desses desconfortos poderiam ter sido evitados ou amenizados.
Ao fim, outro projeto já estava aguardando para começar. Com os problemas do anterior, mudança de gerência e uma bagagem de confiança maior, consegui persuadir minha equipe toda a usar a inception enxuta.
Aqui cabe um ponto importante: antes disso, aqueles usuários da primeira inception fizeram uma apresentação para a minha gerência para formalizar o pedido do software. Mostraram o quão importante a atividade foi para que eles soubessem o que queriam de verdade e para eles poderem negociar mão de obra partindo de MVPs. Já podiam pedir que pelo menos uma parte da solução fosse feita. Isso ajudou muito no convencimento da equipe.
Então informamos aos usuários do novo projeto que precisaríamos fazer essa atividade e que o melhor dos mundos dizia que a equipe toda deveria ficar uma semana inteira dedicada numa só sala.
Eu já estava preparado para dizer que poderiam ser meios períodos. Porém, fui surpreendido positivamente: a utopia aconteceu!
O gerente da área usuária, que detinha a maior parte do conhecimento do negócio, remarcou suas férias para poder estar dedicado a essa atividade na semana seguinte. Além disso, conseguiu a presença de outro gerente de área. Já pensou? Dois gerentes durante uma semana toda numa iniciativa dessas junto de sua equipe que participaria do projeto? Pensou tudo isso numa empresa pública, onde as práticas novas sempre demoram um pouco para pegar?
O gerente de departamento ainda liberou sua sala para que pudéssemos utilizá-la! Utopia elevada ao quadrado!
Antes mesmo de começar a semana da inception já descobrimos que o projeto é muito importante, pois fez com que a área usuária destinasse tempo a isso. E também percebemos que teremos respaldo deles durante o projeto.
O workshop ocorreu de maneira muito satisfatória. A média de quórum não foi 100% durante a semana toda. Porém, foi alta.
Tivemos que fazer algumas adaptações, principalmente no planejamento dos MVPs. Mesmo assim, o resultado foi excelente.
Mais que planejar inicialmente 17 MVPs para o projeto, os usuários perceberam claramente que teremos muitas dificuldades, pois mais de 50% das features (incríveis 65!) eram vermelhas ou vermelhas com X.
Mais que os artefatos objetivos, a construção de pensamento coletiva foi muito bem avaliada. O usuário principal relatou que essa semana de trabalho dedicada foi fundamental para o decorrer do projeto. E ainda disse que chamará a TI para fazer esse trabalho em futuras propostas de software.
Agora sei que pode existir utopia numa empresa pública. Nos próximos projetos teremos ainda mais “fãs” para justificarem o uso desse trabalho. E aos poucos, a cultura que existe em cada pessoa vai abrindo espaço para ideias novas.
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